O Futuro do Lucro Presumido em Xeque: A Reforma Tributária e o Conceito de Receita Bruta

A iminente entrada em vigor da reforma tributária, com a gradual instituição do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) e da Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) a partir de 2027, levanta um debate crucial para as empresas optantes pelo Lucro Presumido: a inclusão ou não desses novos tributos na base de cálculo do Imposto de Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ) e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL).

O Lucro Presumido é um regime simplificado destinado a empresas com receita bruta anual de até R$ 78 milhões. Nele, a base de cálculo do IRPJ e da CSLL é determinada pela aplicação de percentuais fixos de presunção sobre a receita bruta, que variam conforme a atividade econômica.

A Nova Lógica Tributária: IBS, CBS e o Conceito de Receita

O cerne da questão reside na definição de “receita bruta”. A legislação (notadamente o art. 12, §4º do Decreto-Lei nº 1.598/1977) estabelece que a receita bruta compreende apenas os valores que se incorporam de forma definitiva ao patrimônio da empresa. Ficam de fora os tributos cobrados do comprador ou contratante na condição de mero depositário ou fiel – ou seja, valores que transitam pelo caixa da empresa apenas para serem repassados ao fisco.

Este princípio ganha força com o modelo de IBS e CBS, que serão cobrados pelo método de cálculo por fora (ou out of pocket). Diferentemente do atual ICMS e ISS, que incidem “por dentro” e estão embutidos no preço final, o IBS e a CBS serão destacados, o que, conceitualmente, reforça sua natureza de mero ingresso de terceiros, e não receita própria da empresa.

O Precedente do STF e a Relevância do Split Payment

A discussão encontra um importante balizador no histórico jurídico:

  1. O Tema 69 do STF (RE 574.706/PR): O Supremo Tribunal Federal já firmou o entendimento, no caso da “tese do século”, de que o ICMS não compõe a base de cálculo do PIS e da Cofins, pois não se trata de receita ou faturamento da empresa, mas sim de um valor apenas arrecadado em nome do Estado. Este raciocínio é diretamente aplicável ao IBS/CBS.
  2. O Split Payment como Fator Decisivo: A reforma tributária instituiu o mecanismo do split payment (pagamento dividido), em que o valor correspondente ao IBS e à CBS será automaticamente retido no momento da liquidação financeira da operação e direcionado ao fisco, sem transitar pela conta corrente do vendedor ou prestador de serviços.
    • Para as empresas do Lucro Presumido que apuram o imposto pelo regime de caixa (ou seja, quando o pagamento é de fato recebido), o split payment é um argumento irrefutável: o IBS/CBS sequer chega a ser recebido pela empresa, reforçando que o valor não integra sua receita bruta.

O Contraponto do STJ e a Possível Superação

Apesar do forte precedente do STF e do novo desenho dos tributos, há um obstáculo:

  • O Tema 1240 do STJ: Ao julgar a inclusão do ISS na base de cálculo do IRPJ e da CSLL no Lucro Presumido, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu pela sua inclusão. O fundamento foi que o Lucro Presumido seria um “benefício” simplificado, impedindo quaisquer deduções (custos, despesas ou impostos), visando a simplificação.

Contudo, a lógica e a natureza do IBS/CBS os diferencia do ISS e pode levar o STJ a revisitar o tema:

  • Natureza Indireta e Não-Cumulativa: A própria natureza do IBS/CBS, como tributos indiretos cobrados por fora e submetidos ao split payment, os afasta da sistemática que embasou o julgamento do ISS.

Os Riscos e a Implicação da Judicialização

A eventual inclusão do IBS e da CBS na base de cálculo do Lucro Presumido geraria graves distorções:

  • Majoração Indevida: Aumentaria artificialmente o IRPJ e a CSLL, resultando em tributação sobre valores que não representam riqueza própria da empresa.
  • Risco de Desenquadramento: Empresas com faturamento próximo ao teto de R$ 78 milhões poderiam ser forçadas ao regime de Lucro Real, mais complexo e oneroso.
  • Distinção Concorrencial: Criaria uma desvantagem para o Lucro Presumido em relação ao Lucro Real, que não enfrenta essa controvérsia, ferindo o princípio da isonomia.

Diante disso, a judicialização ampla do tema é considerada inevitável. Os contribuintes deverão recorrer aos fundamentos já sedimentados pelo STF (Tema 69) e à própria lógica de simplificação e não-cumulatividade da reforma tributária para argumentar pela exclusão desses novos impostos. A manutenção do IBS/CBS na base do IRPJ/CSLL representaria uma tributação sobre “riqueza inexistente”, o que afronta princípios constitucionais como a capacidade contributiva.

A controvérsia sobre o Lucro Presumido promete ser uma das mais significativas no cenário pós-reforma, ecoando a relevância financeira e jurídica do debate sobre o ICMS no PIS/Cofins.

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