O cenário tributário brasileiro passa por sua maior revolução em décadas. Com a promulgação da Lei Complementar nº 214/2025, que estabelece a extinção gradual do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) e sua substituição pelo Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) e pela Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) até 2033, as empresas são forçadas a migrar de uma gestão tributária passiva para uma abordagem estratégica e proativa.
Especialistas em tax afirmam que a forma como as companhias lidarão com a recuperação de créditos de ICMS na fase de transição será o verdadeiro divisor de águas para a competitividade no novo ambiente de negócios.
O Desafio da Transição e o Passivo Acumulado
O período de transição impõe desafios imediatos, especialmente em relação aos saldos credores de ICMS acumulados. A legislação de transição estabelece que esses créditos deverão ser solicitados para homologação a partir de 1º de janeiro de 2033, e o prazo para sua efetiva compensação poderá se estender por até 20 anos, com correção monetária limitada pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA).
Este horizonte de duas décadas exige um rigor contábil e fiscal sem precedentes. A falta de precisão na apuração e na solicitação desses valores pode representar uma perda de capital de giro significativa, forçando empresas a gerenciarem um passivo financeiro de longo prazo com alto risco de deságio.
SP e o Rigor Pós-Crise: A Reestruturação dos Controles
No Estado de São Paulo, a urgência em aumentar a segurança e a transparência foi acentuada por escândalos de corrupção. A Operação Ícaro, que revelou esquemas envolvendo auditores fiscais e grandes contribuintes na fraude de ressarcimentos de ICMS, levou a Secretaria da Fazenda e Planejamento (Sefaz-SP) a reestruturar radicalmente seus processos.
As novas regras impõem:
- Auditoria Fiscal Completa: Análise minuciosa de toda a cadeia de operações.
- Cruzamento Automatizado: Uso de tecnologia para conferência instantânea e sistêmica de dados.
- Rastreabilidade Ampliada: Exigência de detalhamento e prova documental rigorosa das transações.
Qualquer erro ou inconsistência no pedido de restituição não apenas impede a recuperação do crédito, mas também acende um alerta de fiscalização, podendo levar a investigações, multas elevadas e, crucialmente, a danos reputacionais.
ICMS-ST: Do Prejuízo à Oportunidade (Com Muita Burocracia)
O Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços por Substituição Tributária (ICMS-ST), criado para simplificar a fiscalização, frequentemente resulta em cobranças antecipadas superestimadas. Embora a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) no Tema 201 garanta o direito de restituição do ICMS-ST pago a maior, o processo de ressarcimento é notoriamente complexo.
No contexto de São Paulo, a Portaria SRE (antiga CAT) que regulamenta o ressarcimento do ICMS-ST impôs parâmetros rigorosos de escrituração, exigindo cálculos complexos (como médias ponderadas de preços) e um controle rígido na homologação. Esse rigor fiscal, embora burocrático, representa uma oportunidade: uma vez homologado, o crédito se converte em uma importante injeção de capital de giro para a empresa, desde que o processo seja conduzido com total conformidade.
O Compliance como Vantagem Competitiva
As novas regras não devem ser vistas apenas como um fardo burocrático, mas como um convite à maturidade empresarial. A tendência de mercado aponta para o fortalecimento do Compliance Tributário e dos controles internos:
- Mitigação de Risco Reputacional: Escândalos fiscais podem derrubar o valor de mercado de empresas listadas. A transparência na gestão tributária, comprovada pelo compliance, é um ativo valorizado por investidores (ESG) e pelo mercado em geral.
- Eficiência Operacional: Investir em automação tributária, tax technology e na capacitação de equipes internas permite que a empresa processe a complexidade das novas regras com agilidade e precisão.
- Criação de Valor: A recuperação eficiente e correta de créditos tributários, antes considerados “dinheiro perdido”, transforma-se em recurso disponível para investimento ou distribuição, gerando valor a longo prazo.
Em última análise, as empresas que transformarem a gestão rigorosa do ICMS em uma função estratégica, investindo em tecnologia e integridade, não apenas garantirão sua conformidade na transição para o IBS/CBS, mas também se posicionarão como líderes em um novo mercado que valoriza a ética e a transparência como pilares da competitividade. O futuro fiscal brasileiro será determinado por aqueles que souberem converter a complexidade regulatória em inteligência de negócios.