O processo de valuation (avaliação de valor) é o ponto nevrálgico de qualquer operação de Fusões e Aquisições (M&A) ou planejamento sucessório. Ele representa a estimativa do valor de uma empresa, extrapolando números contábeis para considerar seu potencial futuro e suas vantagens estratégicas.
Segundo Matheus Kniss, especialista em reestruturações societárias do Rücker Curi Advocacia, o foco excessivo no preço final e a falta de atenção aos pilares que constroem esse valor desde a origem são os maiores deslizes dos empresários. Um valuation mal executado não só pode levar ao fracasso da transação, como pode desvalorizar injustamente o patrimônio do negócio.
A seguir, estão os 10 equívocos mais comuns que comprometem o valor de mercado (valuation) de uma empresa, conforme a análise do especialista:
1. Falta de Previsibilidade de Caixa
A capacidade de gerar caixa consistente é o motor do valor de uma empresa. Projeções financeiras otimistas, mas sem base em premissas sólidas ou um histórico comprovado de acuracidade, geram desconfiança imediata. O comprador investe no futuro do negócio; sem previsibilidade, o risco percebido aumenta exponencialmente, resultando em um valor de compra menor.
2. Endividamento Mal Estruturado
Dívidas são ferramentas, mas precisam de estratégia. Alavancagem excessiva ou financiamentos com vencimentos mal planejados e incompatíveis com o ciclo operacional levantam sérias incertezas. Um endividamento desorganizado limita a capacidade de crescimento da empresa pós-M&A e sinaliza má gestão de capital, reduzindo o valor percebido pelo mercado.
3. Desorganização Contábil e Fiscal
A falta de transparência e a presença de inconsistências nos demonstrativos (divergências entre o contábil e o fiscal ou práticas contábeis duvidosas) são bandeiras vermelhas para o comprador. Tais falhas invariavelmente levam a:
- Ajustes negativos no valuation.
- Retenções de parte do pagamento (escrow accounts).
- Desistência total da negociação após a due diligence (auditoria).
4. Falta de Controle sobre Custos e Margens
Margens operacionais que oscilam sem lógica setorial ou que demonstram um crescimento descontrolado de custos impactam diretamente o EBITDA (Lucro antes de Juros, Impostos, Depreciação e Amortização), métrica fundamental para a maioria dos valuations. A falta de clareza sobre o consumo de recursos é traduzida em maior risco operacional e, consequentemente, em menor valor.
5. Ausência de Análise de Riscos Operacionais e Regulatórios
Empresas que falham em mapear riscos críticos — como a dependência de tecnologia obsoleta, gargalos logísticos ou passivos regulatórios não provisionados — apresentam um valor inflacionado. Quando esses riscos são expostos durante a due diligence, o comprador aplica descontos agressivos ou desiste da transação.
6. Desconsiderar o Capital Humano e a Retenção de Talentos
O valor de uma empresa não está apenas em seus ativos físicos, mas em seu know-how. A saída iminente de executivos-chave ou a alta rotatividade de talentos em setores intensivos em conhecimento (TI, Consultoria, Serviços Especializados) compromete a continuidade operacional. Empresas sem planos robustos de retenção são percebidas como instáveis e menos valiosas.
7. Subavaliação de Ativos Intangíveis
Muitos empresários ignoram o valor de ativos não físicos que podem ser a maior fonte de diferencial competitivo. Marcas fortes, patentes registradas, tecnologia proprietária, base de clientes fiéis e know-how devem ser mensurados por métodos adequados para não distorcer o valor real (fair value) do negócio. A subavaliação desses ativos leva à subprecificação da empresa.
8. Não Ajustar o Valuation ao Tipo de Comprador
O valor de um negócio é situacional. Um comprador estratégico (concorrente ou empresa da mesma cadeia de valor) pode estar disposto a pagar um prêmio (premium) devido às sinergias operacionais que a aquisição gerará. Já um fundo de private equity ou um investidor financeiro tenderá a ser mais conservador, focado apenas em retornos financeiros. Ignorar essa distinção leva à precificação inadequada e à perda de oportunidades de maximização do valor.
9. Ignorar o Impacto Tributário da Transação
A forma como a operação de M&A é estruturada — seja como compra de ações (stock deal) ou compra de ativos (asset deal) — possui um impacto tributário direto sobre o valor líquido que o vendedor receberá. Valuations que não consideram a otimização tributária da operação, como o aproveitamento de prejuízos fiscais ou reorganizações societárias prévias, podem induzir o vendedor a tomar decisões financeiras equivocadas.
10. Uso Inadequado de Múltiplos de Mercado
O erro mais comum é aplicar múltiplos de EBITDA ou receita genéricos (obtidos de notícias ou relatórios superficiais) sem qualquer contextualização. O valuation deve ser ajustado por benchmarks de empresas comparáveis que considerem diferenças de:
- Setor de atuação e nicho.
- Escala e maturidade (ciclo de vida).
- Localização geográfica e risco regulatório.
Comparações superficiais comprometem gravemente a precisão da avaliação.
Conclusão: O valuation é a narrativa financeira de uma empresa. Para uma negociação de M&A bem-sucedida, é imperativo que essa narrativa seja coerente, transparente e estratégica. A preparação prévia, focada em resolver esses dez equívocos, é o fator decisivo para garantir que o valor final reflita o verdadeiro potencial do negócio.